Análise: Má atuação da seleção não significa que Tite deva abandonar novo sistema

Gabriel Jesus e Firmino se abraçram na comemoração do gol da seleção contra Senegal Foto: ROSLAN RAHMAN / AFP
Gabriel Jesus e Firmino se abraçram na comemoração do gol da seleção contra Senegal Foto: ROSLAN RAHMAN / AFP

É mais rico em debates do que se imagina o empate do Brasil com 
Senegal na manhã desta quinta-feira. A começar pelo  pré-jogo e a 
entrevista de Neymar, cuja repercussão colocou luz sobre nossas incoerências.

Primeiro, vale destacar que Neymar não disse que entendia ter carregado a seleção nas costas. Referia-se ao óbvio:  ao peso, à responsabilidade, aos fatores inerentes ao tamanho de seu personagem. Mas mesmo que tivesse dito carregar o time, não foi a própria opinião pública que, por anos, reclamou alternativas a uma seleção que, para muitos, era extremamente dependente de Neymar?
Quanto aos tais privilégios, eles sempre existiram na história do esporte.  A questão é administrá-los e mantê-los dentro do limite que todos os  demais integrantes do time entendam ser legítimos. E jogadores de futebol entendem de hierarquia.
Passando ao campo, Neymar viveu uma manhã atípica, rara: não jogou bem com a camisa da seleção. A questão é que sua atuação, junto com a postura de um time que nunca conseguiu imprimir ritmo ao jogo, despertam outra discussão: já é hora de a CBF rever os compromissos comerciais que moldam os amistosos. Calor, fuso horário, campo ruim, estádio vazio... O jogo em Cingapura tinha todos os ingredientes para um rendimento físico e técnico ruins. O jogo foi travado, inclusive pelo lado dos africanos. Só Mané, em três arrancadas, lembrou o jogador que é em seu clube.
Nada disso, no entanto, encobre que o desempenho poderia ser melhor. A nova formação de Tite, um 4-4-2, teve quase sempre uma cara de projeto promissor, mas com enorme dificuldade de execução. Afinal, ainda que com peças habituadas à seleção brasileira, o sistema muda comportamentos dos jogadores. O desenho com Arthur e Casemiro de volantes, Coutinho partindo da esquerda, Jesus da direita, e Neymar movido mais para o centro, perto de Roberto Firmino, é apenas uma distribuição inicial. A partir daí, o segredo é o time se mover e desempenhar funções. Aconteceu pouco.
É promissora a ideia de que Coutinho parta da esquerda para ser mais um meio-campista. Foi assim que recebeu a bola e iniciou a jogada do belo gol de Firmino. É possível vislumbrar belas combinações com Neymar ora dialogando pelo centro com o meia do Bayern, ora buscando a área ou o lado esquerdo do ataque. Neymar ganhou repertório no PSG como um meia. Dar a ele mais incidência nas jogadas, causando surpresa em partes diferentes do campo, é fundamental para aproveitar o fato de ter na seleção um dos melhores jogadores do mundo. Assim como pode render frutos a tradicional movimentação de Firmino, ora buscando finalizar, ora saindo da área para tentar abrir espaços para companheiros infiltrarem. Ocorre que tudo isso depende de sincronismo e tempo. A atuação teve boas jogadas esparsas, mas o Brasil nunca produziu volume, continuidade em seus ataques.
Há questões que ainda podem incomodar Tite e sua comissão técnica. Arthur, ótimo para dar controle ao time, já começa no Barcelona a se aproximar mais dos homens de frente, buscar passes mais verticais e até finalizar. No sistema da seleção, é importante que o faça para que o time não se divida entre os que atacam e os que defendem. Por falar na articulação, Daniel Alves sentiu demais a partida em Cingapura, em especial na parte física. O que também ajuda o time a perder elaboração de jogadas. Já Gabriel Jesus pode ser um atacante que parte da direita e, aliás, teve bons momentos contra o Senegal. Mas seria ideal para seu jogo ser menos um ponta fixo e mais um jogador com liberdade para fechar em diagonal para a área. Por vezes, falta gente frequentando a área nesta formação brasileira.
Por fim, seja por questões físicas ou de sistema, o Brasil teve dificuldades para recuperar a bola rapidamente. Não defendeu bem. O peso acabou sendo grande demais: atuações tecnicamente abaixo, circunstâncias hostis ao time e um custo físico. No fim, o balanço não foi de uma boa atuação. O que está longe de significar que Tite deva descartar seu novo sistema. O Globo.